quinta-feira, 3 de agosto de 2017

NOTA PÚBLICA ACERCA DA MAJORAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES PIS E COFINS INCIDENTES SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS


O Instituto Mineiro de Estudos Tributários e Previdenciários – IMETPrev é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que tem entre seus objetivos “promover debates, fomentar pesquisas e estudos nas áreas de conhecimento em matéria tributária e do direito previdenciário e financeiro em geral, abrangendo política fiscal, economia, administração, contabilidade, auditoria e outras ciências e técnicas voltadas à tributação e às finanças públicas”.

Constituindo o Brasil um Estado Democrático de Direito, vimos com assombro a publicação pelo Governo Federal, em 20 de julho de corrente, do Decreto n.º 9.101/2017 que promoveu reajuste na tributação incidente sobre a importação e a comercialização de gasolina, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP), querosene de aviação e álcool através da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS.

A alteração promovida por meio de ato privativo do Poder Executivo teve por fundamentação legal a suposta permissão à mesma contida no art. 23, caput e § 5º da Lei n.º 10.865/2004, bem como no art. 5º, §8º da Lei n.º 9.718/98, este com a redação que lhe foi dada pelo art. 7º da lei n.º 11.727/2008.

Referidos dispositivos conferem ao Poder Executivo poder para “fixar coeficientes para redução das alíquotas previstas neste artigo, os quais poderão ser alterados, para mais ou para menos, ou extintos, em relação aos produtos ou sua utilização, a qualquer tempo”.

Cuida-se, em verdade, de dispositivos que instituíram novas exceções aos Princípios Constitucionais da Legalidade e da Anterioridade Tributária.

O princípio da legalidade tributária encontra-se estabelecido no art. 150, inciso I da Constituição Federal, significando a vedação à majoração de tributos por meio de instrumentos normativos diversos da lei oriunda do Poder Legislativo.

A própria Constituição Federal cuidou de trazer as exceções ao princípio da legalidade tributária, disciplinando-as em seu art. 153, § 1º e referindo-se aos impostos de importação (II), exportação (IE), sobre produtos industrializados (IPI) e sobre as operações financeiras (IOF).

O princípio da anterioridade tributária foi consagrado, no que diz respeito às contribuições sociais, no art. 195, § 6º da Constituição Federal, significando que a majoração de tributos desta espécie somente poderá produzir efeitos depois de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que a preveja.

Os princípios constitucionais tributários são, em sua essência, direitos e garantias dos contribuintes contra o poder de tributar pelo Estado. Desta forma, configuram-se em verdadeiras cláusulas pétreas protegidas pelo art. 60, § 4º da Constituição Federal, não comportando restrições ou reduções do seu conteúdo por meio de Emenda Constitucional.

Em sentido contrário a este entendimento, o Poder Constituinte derivado instituiu nova exceção ao princípio da legalidade tributária através da Emenda Constitucional n.º 33/2001, mediante a qual foi conferido ao Poder Executivo poder para reduzir ou restabelecer a alíquota da contribuição de intervenção e domínio econômico (CIDE), relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás e seus derivados e álcool combustível (art. 177, § 4º, inciso I, alínea “b”, CF/88).

É de se destacar que as possibilidades abertas ao Poder Executivo para alterar as alíquotas das contribuições PIS e COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de gasolina, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP), querosene de aviação e álcool combustível pelo  art. 23, caput e § 5º da Lei n.º 10.865/2004 para a COFINS e pelo art. 5º, §8º da Lei n.º 9.718/98 para a Contribuição ao PIS não decorreram da promulgação de qualquer Emenda Constitucional, configurando verdadeira violação à separação dos poderes e ao Estado Democrático de Direito consagrado no art. 1º da Constituição Federal.

Baseando-se nestas claras violações constitucionais foi apresentada Ação Popular (Processo n.º 1007839-83.2017.4.01.3400) perante a Justiça Federal do Distrito Federal a qual teve o pedido de liminar deferido para fins de suspender o referido aumento das contribuições. Salientou o Juiz Federal Renato Borelli que o “poder de tributar do Estado não é absoluto”, bem como que “a arrecadação estatal não pode representar a perda de algum Direito Fundamental, não podendo haver, portanto, uma aporia entre a necessidade de arrecadação e os direitos fundamentais constitucionais do cidadão”. Desta forma, o poder de tributar está sujeito à observância dos princípios constitucionais tributários.

Inconformada com a medida liminar concedida, a Advocacia Geral da União pleiteou junto ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela n.º 0014373-75.2017.4.01.0000/DF) a suspensão da liminar concedida em primeira instância argumentando que a manutenção da mesma acarretaria na perda da arrecadação diária de R$ 78 milhões prejudicando sobremaneira o equilíbrio das contas públicas e a economia brasileira.

Diante deste argumento o Presidente do Tribunal, Desembargador Federal Hilton Queiroz deferiu o recurso apresentado pela AGU para fins de cassar a medida liminar concedida pelo Juiz Renato Borelli e permitindo a majoração imediata das referidas contribuições.

Para fundamentar sua decisão, argumentou:

“Ora, no caso em exame, sem apreciar a pertinência jurídica dos fundamentos adotados pela decisão atacada, quanto á existência, no caso, de afronta aos princípios a legalidade tributária e da anterioridade nonagesimal (princípios esses cuja vulneração se afigura duvidosa, à vista dos precedentes invocados pela União, em abono do seu pleito) até porque saliento que tal análise não tem maior relevo para o propósito almejado com a medida de suspensão da liminar, invocada pela requerente, tenho que, no caso, presentes se fazem à luz das alegações e dos argumentos por ela trazidos, os pressupostos do acolhimento do seu pedido, eis que evidenciados, com exatidão os requisitos da grave lesão à ordem pública, jurídica, administrativa e econômica, justificando a incidência do disposto no art. 4º, caput, da Lei n.º 8.437, de 1992.
Com efeito, é intuitivo que, no momento vivido pelo Brasil, de exacerbado desequilíbrio orçamentário, quando o governo trabalha com um bilionário déficit, decisões judiciais, como a que ora se analisa, só servem para agravar as dificuldades da manutenção dos serviços públicos e do funcionamento do aparelho estatal, abrindo brecha para um completo descontrole do País e até mesmo seu total desgoverno”.

Em que pese a relevância do aumento perpetrado nas contribuições em tela diante do momento econômico vivido pelo Brasil, vimos com grande preocupação e lamentamos a decisão supra pela total ausência de argumentos jurídicos que lhe deem suporte.

A decisão retro vai à contramão do entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal ao reconhecer a repercussão geral ao RE n.º 986.296 onde se discute o conteúdo do parágrafo 2º do art. 27 da Lei n.º 10.865/2004:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PIS E COFINS. LEI Nº 10.865/2004. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. DECRETO Nº 8.426/2015. REDUÇÃO E RESTABELECIMENTO DE ALÍQUOTAS.
Decisão: O Tribunal, por maioria, reputou constitucional a questão, vencido o Ministro Edson Fachin. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Edson Fachin. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia”.

É de se destacar o posicionamento do Ministro Dias Toffoli, relator da matéria:

“É de se fixar orientação sobre a possibilidade de o art. 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004 transferir a regulamento - portanto, a ato infralegal – a competência para reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS. A matéria é similar à discutida na ADI nº 5.277/DF, de minha relatoria, de modo que entendo estarem presentes a densidade constitucional e a repercussão geral”.

No mesmo sentido é a ADI 5277 apresentada pelo Procurador Geral da República contra os parágrafos 8º, 9º, 10 e 11 do art. 5º da Lei n.º 9.718/98 com a redação dada pela Lei n.º 11.727/2008:

“Feitas essas considerações, resulta inviável ao legislador ordinário conceder ao Poder Executivo a possibilidade de alteração das alíquotas de tributos em hipóteses não excepcionadas pela CF/1988, sob pena de afronta ao princípio da legalidade tributária e de restrição indevida do referido direito fundamental sem qualquer respaldo na Carta Magna”.

Forte na argumentação ora apresentada, o Instituto Mineiro de Estudos Tributários e Previdenciários – IMETPrev, observando o disposto no inciso II do de seu Estatuto, bem como o disposto no art. 1º da Constituição Federal, posiciona-se contrário às alterações promovidas pelo Governo Federal através do Decreto n.º 9.101/2017 que acarretaram no aumento das contribuições PIS e COFINS incidentes sobre a importação e a comercialização de gasolina, óleo diesel, gás liquefeito de petróleo (GLP), querosene de aviação e álcool combustível por frontal e violenta afronta aos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade tributária estabelecidos nos artigos 150, inciso I; e 195, § 6º da Constituição Federal.

Belo Horizonte, 03 de agosto de 2017

Alexandre Freitas Costa
Diretor Presidente