quarta-feira, 30 de setembro de 2015

CPMF: A volta da morta-viva

Por Alexandre Costa

Em 1993 o então Ministro da Saúde Adib Jatene alegou que faltavam recursos para a destinação ao seu ministério e apresentou, então, a ideia de instituir um novo imposto cujos recursos lhe seriam destinados: o Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira – IPMF.

Considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal o IPMF foi sucedido, em 1996, pela Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF. Para facilitar sua aprovação Adib Jatene fora novamente nomeado Ministro da Saúde.

Inicialmente sua vigência foi prevista para 13 meses, com início em 23 de janeiro de 1997. Posteriormente o prazo foi prorrogado por mais 11 meses, encerrando-se em 23 de janeiro de 1999.

A Emenda Constitucional n.º 21/99 prorrogou a vigência da CPMF por 36 meses, sendo novamente prorrogada pelas Emendas Constitucionais n.º 37/2002 e 42/2003, tendo sido encerrada a cobrança em 31 de dezembro de 2007.

A técnica de destinação dos recursos arrecadados caracteriza as contribuições especiais no direito tributário brasileiro, sendo certo o crescimento exponencial desta espécie tributária após a edição da Constituição Federal de 1988 em razão da possibilidade de coexistência entre uma contribuição e um imposto, ainda que incidentes sobre idênticos fatos geradores. Quanto aos impostos, esta hipótese apresenta-se inconstitucional perante a Carta Cidadã.

Em seu período de vida até a extinção em 2007 a CPMF apresentou-se como um tributo extremamente proveitoso para a União Federal, haja vista a facilidade para sua arrecadação e a desnecessidade de fiscalização. Em outras palavras, sem qualquer esforço da administração pública os cofres vão se enchendo a cada movimentação bancária.

A CPMF permitiu, ainda, um maior controle tributário dos contribuintes uma vez que os dados de seu recolhimento foram comparados com os dados relativos ao Imposto de Renda. Ao sinal de qualquer divergência entre eles, o sinal vermelho da Receita Federal acendia e o contribuinte era intimado a prestar esclarecimentos – na melhor das hipóteses – ou fazer recolhimento de Imposto de Renda supostamente devido em razão deste cruzamento de dados.

Para a economia nacional a CPMF vem a ser o pior dos tributos tendo-se em vista sua incidência em cascata; não incide em razão da capacidade contributiva de cada um – o que vem a onerar de forma mais perniciosa os mais necessitados -; onera o setor produtivo, inviabilizando investimentos e aumento de empregos; dentre outros.

O Brasil, já tenho dito isto há alguns anos, vive em constante estado de “terrorismo fiscal”, sendo os contribuintes diuturnamente ameaçados com o aumento dos tributos existentes, incremento e severidade fiscalizatórios, ausência de recursos para o cumprimento das obrigações estatais, quebra da previdência social, etc. E a proposta de recriação de CPMF deve ser vista como mais um ato deste teatro de obscenidade fiscal que é o Brasil.

Inconformado com a perda da CPMF no fim de 2007, o Governo Federal sempre que possível ameaça o povo brasileiro com sua recriação, o que ocorre no presente momento de grave crise fiscal.

Sem adentrar na indispensabilidade de redução dos gastos públicos com a extinção de inúmeros ministérios desnecessários (salvo para empregar apadrinhados políticos) e de cargos em confiança excessivos (também utilizados para empregar apadrinhados políticos), a desculpa do momento para a ameaça de recriação da CPMF é a necessidade de reduzir o “rombo” existente na Previdência Social.

Nas palavras do Ministro da Fazenda, "a CPMF irá integralmente para o pagamento de aposentadorias. Ela será destinada à Previdência Social. Este é o destino a ser dado na PEC que será enviada ao Congresso Nacional".

Será possível acreditar nestes nobres propósitos!? Diz o ditado que “gato escaldado tem medo de água fria”.

A própria Presidente da República declarou nos longínquos anos de 2010 e 2011 que seria contra a criação da indigitada contribuição pois esta teria sido um engodo já que não tivera seus recursos destinados à saúde, como era originariamente previsto.
  
A previdência social, assim como a assistência social e a saúde, deve ser custeada por meio das contribuições sociais, conforme estabelecido pelo artigo 195 da Constituição Federal.

A principais contribuições sociais (PIS, COFINS, CSLL e Contribuições Previdenciárias) arrecadaram até o momento em 2015 o total de R$ 368,4 bilhões. No ano de 2014 essas mesmas contribuições responderam por uma arrecadação de R$ 633,3 bilhões.

A análise do fluxo de caixa do INSS no ano de 2014 permite-nos constatar que o saldo operacional anual foi negativo em R$ 10 bilhões; enquanto o saldo previdenciário (arrecadação líquida menos os benefícios do Regime Geral de Previdência Social) foi negativo em R$ 57 bilhões; e o saldo da arrecadação líquida menos todos os benefícios pagos pelo INSS foi negativo em R$ 96 bilhões.

Esta primeira análise pode nos induzir ao erro de defender a imperiosidade de nova fonte de custeio para a Previdência Social. No entanto, não podemos nos esquecer da DRU (Desvinculação de Receitas da União) segundo a qual podem ser desvinculados 20% (vinte por cento), dentre outros, dos recursos arrecadados através das contribuições sociais. No ano de 2014 isso significou R$ 126,6 bilhões; no ano de 2015, até o momento, R$ 73,6 bilhões. A simples extinção da DRU permitiria cobrir o “rombo” do INSS em 2014 e ainda sobrariam quase R$ 30 bilhões.

Analisando-se ainda o fluxo de caixa do INSS, verifica-se que houve o repasse ao mesmo de R$ 24,5 bilhões relativos à arrecadação com a COFINS e de R$ 9,5 bilhões relativos à arrecadação com a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). Com a COFINS foram arrecadados R$ 195 bilhões enquanto a CSLL arrecadou R$ 65,5 bilhões em 2014.

Em conclusão, para a solução do “alarmante” déficit previdenciário bastaria a União Federal excluir as contribuições sociais da DRU, bem como destinar ao INSS maior parcela do produto da arrecadação das contribuições COFINS e CSLL.

A realidade da saúde pública brasileira não nos leva a crer que os mais de R$ 200 bilhões que são arrecadados pelas contribuições COFINS e CSLL, não repassados ao INSS, sejam integralmente destinados à saúde.

A realidade nos demonstra que esses recursos são utilizados em finalidades distintas daquelas para as quais foram cobrados. Não podemos coadunar com a perpetuação desse escárnio e roubo de que são vítimas os cidadãos brasileiros.

Assim como na ficção onde dois funcionários de um armazém de medicamentos acidentalmente liberam o gás de barris lacrados do exército, vindo este a dar vida aos mortos que partem em busca dos miolos das pessoas, ao propor a recriação da CPMF está o Governo Federal a partir em busca dos miolos dos contribuintes brasileiros, já por demasiado depenados pela elevada carga tributária.

É chegado o momento de a sociedade brasileira dar um basta ao aumento e à criação de tributos! É indispensável que busquemos uma melhor gestão dos recursos públicos! O Estado brasileiro é por demasiado grande e caro, e merece uma redução no seu tamanho e nos seus custos!

CPMF NÃO!!



* Doutorando em Direito Público na PUC Minas, Mestre em Direito Tributário pela UFMG, Diretor Presidente do Instituto Mineiro de Estudos Tributários e Previdenciários – IMETPrev, Professor de Direito Tributário da PUC Minas, Advogado.